Revista Veja – 11/08/1999
Casas e escritórios adaptam-se ao Feng Shui, técnica chinesa para “harmonizar energias”
O que Fernando Henrique Cardoso, Madonna, Julia Roberts, Bill Gates, Sharon Stone e Steven Spielberg têm em comum? Uma recente e irrefreável disposição para mudar os móveis de lugar. Não se trata, porém, de uma compulsão psicológica ou falta do que fazer. Todos eles, e muitos outros famosos e não famosos, converteram-se ao Feng Shui, a milenar técnica chinesa para harmonizar a “energia” dos ambientes e, por tabela, por no bom caminho diferentes aspectos da vida das pessoas. Como essa tal energia está em todo lugar, o Feng Shui pode ser aplicado tanto em casa como em escritórios, lojas e fábricas. Importante é que o chi, nome chinês para energia vital, circule pelo local da forma mais benéfica possível para a pessoa que o ocupa – desde que, claro, ela faça por merecer. “Tudo depende da atitude”, explica Silvana Helena Occhialini, decoradora diplomada na técnica por um instituto americano. “Se um presidiário tomado de ódio fizer, não vai conseguir bem estar nenhum.”
Por lidar basicamente com disposição de móveis e instalação de fontes, sinos de ventos e cristais, o Feng Shui é prato cheio para decoradores. Munidos de diplomas de cursos especializados e rebatizados de consultores, sua primeira providência para livrar uma casa das más energias é dispor sobre a planta da construção o baguá, um diagrama octogonal que relaciona os cômodos a oito setores da vida: carreira, espiritualidade, família, prosperidade, sucesso, relacionamento, criatividade e amigos. Se a planta não contiver todos os oito lados do baguá da maneira como estão dispostos no diagrama, é caso de corrigir e fortalecer os pontos fracos. Passo essencial: jogar fora tudo o que não serve mais. Torneira pingando e bicicleta aposentada, no Feng Shui é energia estagnada que precisa fluir. Isso posto, passa-se a arrastar móveis e mudar hábitos. Mesas, cadeiras e sofás têm de ficar virados para a entrada (para harmonizar com a energia de quem entra), mas a cama não pode estar voltada para a porta (sua energia vai embora e você acorda cansado). Pilares e vigas em quina dificultam a circulação da energia e têm de ser “amenizados” com a instalação de cristais. Tampa de privada precisa estar sempre fechada (o banheiro acumula energia negativa). Relógio parado, nunca (é a tal energia estagnada). Fotos de pessoas mortas, só escondidas em álbuns (despertam tristeza).
Quem aderiu à moda garante que dá certo. A empresária Mary Nigri, adepta do Feng Shui em casa e no trabalho, notou que seu badalado restaurante Ecco, em São Paulo, tinha um cantinho micado, com mesa sempre vazia. Aconselhada por um consultor, pregou na parede um quadro vermelho, cor que “ativa” o sucesso. “Hoje a mesma é disputada”, diz Mary, que, no entando, se impõe certos limites. “Se tivesse de quebrar paredes e mudar tudo, não faria.” A adaptação ao meio, aliás, é um dos maiores méritos do Feng Shui. Não dá para mexer em tudo? Mude de lugar a mesa e as cadeiras. Também é complicado? Então reposicione os objetos sobre a mesa e pronto. Foi esse pragmatismo que permitiu a Denise Moreira Asnis, diretora adjunta de recursos humanos do Bank Boston, aproveitar uma rotineira mudança de áreas no banco para reposicionar e redecorar seu departamento. Mesas ficaram de frente para as portas. Portas e janelas ganharam discretas bolas de cristal. A mesa da própria Denise passou a exibir um microscópico jardim japonês. “Mas tomamos cuidado para não exagerar e não trombar com os padrões do banco”, conta.
Mercado animado – Plantas são outra maneira sutil de fazer o Feng Shui. A única exigência é que sejam bem cuidada – mortas, atrapalham ainda mais o fluxo de energia. Segundo a consultora Sandra Siciliano, uma violeta africana no banheiro, um lírio perto dos equipamentos eletrônicos são suficientes para transformar as radiações em energias benéficas. Convencida, Franziska Hübener, estilista de sapatos em São Paulo, jogou fora pilhas de roupas que atravancavam um quarto e encheu a casa de flores – roxas para prosperidade, amarelas para dinheiro, brancas para paz e cor-de-rosa para paixão. No mais, conservou a decoração clássica do apartamento.”Não queria que minha casa virasse um lugar esotérico”, conta.
Além de móveis, o Feng Shui movimenta um mercado animado. Casa consulta de um especialista no ramo gira em torno de 300 reais. A aromatóloga Fátima Leão Farkas criou uma linha de óleos, sprays e vende 2000 frascos por mês, ao preço médio de 24 reais. O marceneiro Tsutomu Taniguchi, de São Paulo, produz há seis meses móveis arredondados em cores claras, próprios para o Feng Shui, e vai muito bem: seu faturamento cresceu mais de 100% entre maio e junho. Acácio Martins Gomes, há 29 anos dono de uma loja de produtos esotéricos em São Paulo, confirma que boa parte do aumento de vendas de 30% no último ano se deveu ao “kit feng shui”: cristais, sinos de vento, fontes, prismas e pedras. Por mês, ele vende mais de 300 bolas de cristal e uma média de 100 sinos. “O Feng Shui foi algo extremamente estimulante para o mercado como um todo”, confirma Gomes que, claro, virou o balcão para o lado da porta e pos um espelho sob a caixa registradora da loja. Deve ser a grande energia vital de quem está ganhando dinheiro com mais essa moda.
Não basta acreditar, tem de comprar
Feng Shui que é Feng Shui requer:
- uma fonte com água, ainda que mínima, para fortalecer a vida profissional
- cristais, que harmonizam a energia, ainda mais se tiverem formato de peixe, animal que atrai prosperidade e abundância
- flores (em suas variadas cores), consideradas a mais autêntica forma de purificação da casa
- sinos de vento, que pendurados na entrada, previnem contra os maus fluidos e facilitam a entrada dos bons