Jornal Gazeta Mercantil – 25/05/1999

Técnica milenar chinesa para harmonizar ambientes se populariza e cria um mercado específico de livros, revistas, projetos e objetos de decoração

 

Quem circula pela área ocupada pela vice-presidência de recursos humanos do BankBoston, no centro de São Paulo, pode deparar-se com flores, fotos de familiares e amigos enfeitando as estações de trabalho de cada funcionário. Também podem ser encontrados no espaço sinos de vento e bolas de cristal multifacetado.

Os itens fazem parte da nova decoração do departamento, que seguiu os preceitos da técnica chinesa de Feng Shui para harmonizar ambientes. A posição dos móveis também mudou: ninguém deve ficar sentado de costas para a entrada.

“O nosso departamento ficou mais agradável, mais humano”, diz a diretora adjunta de recursos humanos, Denise Moreira Asnis, que faz questão de afirmar que se trata de uma mudança discreta, sem comprometer o padrão estético do Bank Boston. A iniciativa do departamento está contribuindo para disseminar a técnica chinesa para os demais setores do banco. Tanto que a partir de junho, duas consultoras de Feng Shui passarão a integrar o PAP – Programa de Apoio Psicológico do Bank Boston, voltado a terapias alternativas.

A organização dos espaços segundo o Feng Shui não é nova. Começou há cerca de quatro mil anos, na China, onde se consolidou como um traço da cultura popular. O Ocidente só descrobriu a técnica há cerca de cinco anos, e passou a adotá-la como um poderoso meio de auto-ajuda. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, conquistou grandes adeptos. Consta que Bill Gates não muda uma cadeira de lugar sem consultar o baguá, um octágono que é a base do Feng Shui. Colocado sobre a planta do ambiente a ser decorado, o baguá relaciona cada área a um aspecto da vida dos ocupantes do espaço. Os aspectos considerados são trabalho, família, prosperidade, sucesso, relacionamentos, criatividade e amigos.

No Brasil, o conceito começou a ser difundido no último ano, com o lançamento de livros sobre o assunto. A editora Campus, por exemplo, já faturou R$ 350 mil com quatro títulos. O mais antigo, Feng Shui – a arte milenar chinesa de organização do espaço, lançado em setembro de 1997, está na 11ª edição.

Além da Campus, outras cinco editoras que investiram no filão – Nova Era/ Record, Madras, Ediouro, Pensamento/Cultrix e Avatar – movimentaram juntas R$ 2,6 milhões com a venda de livros em 1998.

Outra grande aposta editorial foi da Abril. A revista Bons Fluidos, filhote de Casa Claudia, começou como edição especial, e o primeiro número vendeu 130 mil exemplares em julho de 1997. Outros três números especiais vieram em 1998, até que a editora decidiu lançar a revista em março deste ano, com periodicidade bimestral e investimento de R$ 500 mil. “Todo o capital foi sustentado pela receita obtida com as edições especiais”, diz Roberto Simbério, diretor superintendente da Unidade Operacional de Casa Claudia. “Mais bons fluidos que isso, impossível.”

O objetivo da Abril é tornar a revista mensal a partir de março de 2000. A publicação deve fechar o primeiro ano com faturamento bruto de R$ 4 milhões, e circulação de 90 mil exemplares.

Segundo pesquisa da Editora Abril, quase 100% do público da Bons Fluidos são mulheres, 91% pertencem às classes A e B, 42% têm entre 30 e 40 anos e 80% trabalham fora, quase todas como profissionais liberais. “O objetivo é fazer com que a mulher não faça da sua casa apenas um cenário, mas um lugar com o qual se identifique, o suficiente para dar um significado especial para tudo o que está ali”, diz a editora Elda Müller.

Para ela, o sucesso da revista está relacionado à busca de assuntos envolvendo o auto-conhecimento. Essa procura também foi captada pela concorrência. No mês passado a Lúmini, braço da editora Alto Astral, de Bauru, lançou Bom Astral em Casa, com tiragem de 80 mil exemplares e investimento de R$ 300 mil. Já a editora Três prepara para o segundo semestre Meditação da Casa, engrossando o nicho das revistas sobre Feng Shui.

A onda de harmonizar as energias da casa e do trabalho também alavancou negócios de pequenas empresas, que produzem ou vendem objetos de decoração indicados pelos especialistas de Feng Shui, como sinos de vento, bolas de cristal multifacetado, prismas e fontes. A Mensageiro dos Ventos, por exemplo, viu sua receita crescer 30% depois que a onda Feng Shui pegou. A empresa de Florianópolis expandiu a sua linha de produtos, e depois de ter faturado cerca de R$ 2 milhões em 1998, pretende dobrar o montante este ano, de olho nas exportações para Argentina e Portugal.

As lojas de decoração que se especializaram em objetos indicados pela técnica chinesa para harmonizar ambientes também estão se dando bem. Em São Paulo, as lojas Catedral e Cláudia Furtado aumentaram, no último ano, o faturamento, em 30% e 80% respectivamente. O Feng Shui impulsionou até quem apostou nos aromas propícios à cada área identificada pelo baguá. A aromaterapeuta Fátima Leão lançou uma linha com seu nome em dezembro de 1998, quando colocou no mercado 1 mil sprays. Já está vendendo 5 mil frascos por mês, e fechou representações para outros estados do País. “Trata-se de uma técnica que não requer grandes custos, e tende a se popularizar, com o aumento das publicações especializadas”, diz a arquiteta e decoradora Clélia Regina ângelo.

Mas há quem aposte alto na energização dos ambientes segundo o Feng Shui. O empresário Taufik Camasmie, por exemplo, deve gastar cerca de R$ 2 mil para redecorar todo o seu escritório na avenida Paulista, em São Paulo, seguindo as orientações da técnica chinesa.

O dono da Planital Empreendimentos Imobiliários procurou aplicar o Feng Shui a fim de melhorar os seus negócios. Começou mudando a posição da sua mesa: encostou-a na parede. Não satisfeito, mandou cópias de orientações sobre como melhorar as energias do escritório para os funcionários. Uma das medidas solicitava que todos dessem descarga no banheiro com a tampa do vaso fechada. Resultado: depois de uma semana da aplicação de Feng Shui , a Planital Empreendimentos Imobiliários resolveu uma pendência com um cliente, que seria levada à Justiça e conseguiu concluir uma venda, que se arrastava há tempos. “Os resultados são animadores e imediatos”, garante o empresário.

Quem prestou consultoria à Planital e a outras empresas, como o Bank Boston, foi Silvana Helena Occhialini, decoradora que se especializou na técnica e cobra, no mínimo, R$ 360 por consulta. Silvana não tem horário livre na agenda até agosto.

Para tentar fugir da crise

O Feng Shui começou a invadir o dia a dia do brasileiro comum como um instrumento a mais na tentativa de fugir da crise. “Se os negócios não vão bem, as pessoas procuram o Feng Shui, porque ouviram falar que funciona”, diz a decoradora Silvana Occhialini, que se especializou na técnica.

Ela viaja três vezes ao ano aos Estados Unidos, em busca dos melhores cursos sobre o assunto. Em junho, passará 15 dias em Nova York, com uma mestre em Feng Shui, Denise Linn. O curso custará US$ 15 mil.

A origem do Feng Shui – vento e água, em chinês – remete ao taoísmo, filosofia chinesa que tem como princípio a complementariedade entre opostos. Como técnica, o Feng Shui sugere como organizar espaços para permitir um melhor fluxo da energia vital dentro do lugar, beneficiando assim quem vive ou trabalha nele. A ferramenta básica é o baguá, o mapa que aponta as oito áreas de interesse na vida e é aplicado sobre a planta da casa ou cômodo.

No Brasil, a técnica começou a se popularizar por meio de revistas especializadas. A próxima iniciativa, Meditação em Casa, da editora Três, deve ser lançada em julho. Sob a coordenação da jornalista Mirna Grzich, a publicação deve ser trimestral e trazer um CD. No Ocidente, a técnica virou até diferencial de marketing. Mirna conta que na Inglaterra há hotéis decorados seguindo os preceitos da técnica e que divulgam isso para atrair mais turistas.

 

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